sábado, 17 de janeiro de 2015

Capítulo 4 – Encontros e Desencontros

Acordei de manhã com o Scarpy a lamber-me a cara. Tirei-o de cima de mim e olhei para as horas: 5:00h da manhã. Ainda era muito cedo para sair de casa, mas uma vez que já não tinha sono, levantei-me e comecei a preparar-me. Nunca tinha acordado tão cedo para ir a um lugar, mas estava tão entusiasmada que já nem tinha sono.
Era o primeiro dia numa universidade onde me iria dedicar ao que mais gosto, as Artes. Também era o 1º dia de Alice, mas noutra universidade, a de Coimbra. Sentirei muitas saudades dela, tenho plena noção que raramente a irei ver, os horários das universidades eram completamente diferentes, por isso era impossível combinar-mos algo para fazermos as duas. 
Ouvi um ruido, era Nicole.
- Ainda estás aí? Depois queixa-te! – reclamou.
- Não te preocupes, eu sei tomar conta de mim. Devias estar feliz porque finalmente vou desaparecer da tua vista.
- Tens razão, soube-me bem ouvir essa noticia.
Depois de tomar o pequeno-almoço, saí de casa e entrei na camioneta, sentando-me num banco a ler um livro. A viagem iria ser longa e teria de o fazer todos os dias, só espero que me habitue rápido ao facto de ter de acordar cedo e deitar-me tarde durante a maior parte dos dias.
Continuei a ler o livro, apesar de ser um romance muito antigo. Tinha-o encontrado em casa e parecia ser bastante interessante:

“Os seus olhos brilhavam como duas estrelas cintilantes. Imaginando os dias maravilhosos que seriam passados ao seu lado e, dizendo-lhe que a amava como jamais amara alguém, encostou a sua testa na dela e se beijam sufocadamente como se, em câmara lenta, estivessem a saborear o ultimo morango à face da terra. De seguida caminharam durante o resto da noite, de mãos dadas, pelas ruas repletas de luzes que se acendiam por onde passavam, iluminando a escuridão…”

A camioneta parou e a minha leitura teve que ser interrompida. Agora teria de sair e apanhar o comboio das 7:30h para ir finalmente para o Porto. Depois de entrar no comboio, continuei a ler o livro entusiasmada, para ajudar a passar o tempo, e, alguns minutos depois, avistei pela janela a enorme universidade. Ansiosa por entrar lá dentro, saí do comboio quase a tropeçar e comecei a correr até que um homem vestido de preto, com uma grande capa e um ar frio e distante se colocou à minha frente impedindo a minha passagem e pronunciando friamente: “É o primeiro ano?”. Respondi contendo o susto que sim.
Dito isto ele agarrou-me o braço dizendo “Por aqui”, e conduzindo-me até ao interior. Estava pasmada! A universidade era enorme. E quem seria aquele senhor? Um professor? Estava completamente á nora! Os corredores eram enormes e a distância entre cada sala igualmente. Iria ser extremamente difícil orientar-me com tantas salas. Estávamos a caminhar a paços aceleradíssimos, o que tornava impossível decorar os corredores pelo qual tinha passado. Finalmente chegamos ao nosso destino. Entrei na sala, ansiosa e ofegante da correria e sentei-me numa das 5000 cadeiras, avistando o professor a entrar juntamente com um rapaz que já se encontrava, tal como eu, ligeiramente atrasado. Este sentou-se ao meu lado direito e sorriu para mim. Aquele sorriso não me era nada estranho, sentia que já o tinha visto em algum lugar.
- Olá, lembras-te de mim, ou nem por isso? – disse o rapaz animado.
- Nem por isso… - respondi timidamente por não ter conseguido corresponder à animação dele por me ver ali.
- É normal, só nos vimos uma vez. Digamos que sou muito bom em decorar caras. Sou aquele rapaz que te pediu na Roulotte “ uma fatia de Pizza de queijo e fiambre com um gelado de morango para acompanhar”. – disse rindo-se.
A minha cara tornou-se vermelha como um tomate lembrando-me da forma inútil e arrogante que o tinha atendido.
- Ah sim já me lembro… Desculpa lá a minha arrogância. - não consegui conter o riso.
- Eu sei, não faz mal, eu percebi qual foi a tua intensão para com os teus pais, eu faço o mesmo com os meus, milhões de vezes!
Rindo-me pateticamente, pedi-lhe desculpa novamente. Ele era extremamente simpático.
- Mas tu também tens ou tiveste um negócio? – perguntei depois de perceber que ele me compreendia.
- Sim, eu tenho um café à beira da tua Roulotte, já há muitos anos que trabalho lá. O café era dos meus pais mas desde muito pequeno que começou a pertencer-me apenas a mim. No Verão servia às mesas e costumava ver-te todos os dias.
 - Ah, infelizmente a Roulotte já se foi à vida, tivemos bastante prejuízo e fomos obrigados a fecha-la.
- Lamento imenso. Se as pessoas tivessem reparado na tua beleza de certeza absoluta que iriam todos os dias comprar pizzas. – brincou.
- Oh que exagero! – agora tinha-me deixado com poucas palavras. – Aviso-te já que não sou do tipo de gostar de elogios.
- Só digo a verdade. Ah desculpa, nem sequer me apresentei… Chamo-me Matias. – disse atrapalhado.
- Prazer em conhecer, o meu nome é Luciana.
- O prazer é todo meu. Gostarias de vir comigo tomar um café depois das aulas? É que até agora és a primeira pessoa simpática que encontrei por aqui.
- Gostava imenso, mas é o meu primeiro dia nesta zona, ainda ando bastante perdida…
- Ah, eu já ando aqui há um ano, vivo aqui no Porto num apartamento, torna-se mais fácil. Mas não te preocupes, vens comigo e eu mostro-te onde fica.
Depois das aulas, lá fomos os dois até ao dito café onde conversamos durante mais de duas horas. Era impressionante. Quer onde nós estivéssemos, ele não tirava os olhos de cima de mim. Era um rapaz muito carinhoso, divertido e conversador, daí termos ficado tanto tempo a conversar! Acho que há anos que não falava assim com alguém.




No entanto o sol já não se via e a escuridão estava a começar a absorver a luz. Tinha de ir embora mas já não me lembrava do caminho para o comboio. Sou realmente uma grande desastrada.
Só de pensar que ainda teria de percorrer todo aquele percurso infiltrada na escuridão até casa, me dava náuseas!
- Vamos, eu levo-te a casa. – ofereceu-se Matias depois de nos levantarmos para ir embora.
- Não, que parvoíce, não é preciso.
- É sim, eu não te posso deixar ir embora sozinha nesta escuridão.
- Mas tu nem sabes onde moro! E digo-te já que é longe…
- Não há problema, tu dizes-me o caminho. E a distância não é um problema porque eu adoro fazer longas viagens de carro. E com uma boa companhia ainda e melhor.
- Vais de propósito para tão longe por minha causa?
- Acredita em mim, não há problema. Vamos?

Acabei por concordar. Era estranho ter acabado de o conhecer e já sentir que eramos grandes amigos.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Capítulo 3 – O Negócio

Entretanto as férias do Verão estavam à porta. Aproveitava o sol para ir à praia e as noites fresquinhas para ir ao cinema e conviver com os amigos para aproveitar as férias ao máximo.
Os meus pais estavam cada vez mais misteriosos. No entanto, num dia, quando nos chamaram a mim e à minha irmã, percebi rapidamente que não sairia dali coisa boa. Sentei-me no sofá a olhar para eles, assim como Nicole.
- Vão dizer o que querem ou nem por isso?- perguntou Nicole.
- Não sofras de ansiedade Nicole – disse Constança, a minha mãe - Bem, o que nós temos para vos informar é que eu e o vosso pai vamos começar com um novo e pequeno negócio de família, desta vez, de comida que vamos vender, em princípio, numa Roulotte à beira da praia. Contamos com a vossa ajuda, e iremos perguntar também ao vosso primo Rúben se nos quer ajudar, visto que vive lá à beira.
- Ah! Então era por causa disto que andavam sempre aos segredinhos e cheios de mistérios, eu logo vi que não era boa coisa. - disse eu lembrando-me das inúmeras vezes que os apanhei a conversarem sobre “coisas que não me diziam respeito”.
- Dito por vocês só podia ser alguma coisa pra nos dar trabalho… - disse Nicole que esperava uma notícia mais interessante.
- Nós sabemos que na última vez que montamos um negócio não correu nada bem. Levou-nos a todos à falência, mas desta vez as coisas vão correr de forma diferente. Preparamos as coisas com muito cuidado. – disse Fernando,  o meu pai. – Começamos já amanhã bem cedo. Espero não ter que vos tirar da cama com as lambidelas do Scarppy.
No entanto o telemóvel toca. Atendi. Era Alice que se mostrava, pelo tom da sua voz, muito animada:
- Estou?! Luciana? Tenho planos para nós para este Verão, liguei para saber se podias…
- Esquece lá isso, não sei se vai dar...os meus pais vão montar uma Roulotte de comida durante o Verão todo, e querem que eu, a minha irmã e o meu primo os ajudemos.
- Tchii, que seca! Não me tinhas dito nada.
- Acabei agora de saber. Não gosto nada desta ideia, assim não vou aproveitar nada das férias... tu é que podias vir trabalhar connosco, assim sempre se tornaria mais divertido, isto de trabalhar em conjunto com a minha irmã vai-me alterar profundamente o sistema nervoso. Tu consegues sempre acalmar-me.
- Sim acho que posso ir-te ajudar, mas...

- Vens e problema resolvido! É só pedir aos meus pais. Vá, falamos amanhã, beijos.

Desliguei o telemóvel.



No dia seguinte, já às 7h30 da manhã estávamos eu, os meus pais, Alice, Nicole e o Rúben a caminho da praia, inteiramente ensonados. Enquanto tentávamos ainda acordar, os meus pais preparavam a comida e poucos minutos depois persentimos o cheirinho a cachorros quentes e a Pizza acabada de fazer. Acordamos num salto e juntamo-nos à volta da comida, esfomeados e preparados para começar com um banquete.

- Não sei onde é que vão com tanta pressa. Isto tem bom aspeto mas é para os clientes. - intrometeu o meu pai - Para ninguém se atrapalhar no trabalho é melhor fazermos o seguinte: eu e Constança ficamos na cozinha a tratar da comida, a Luciana e a Nicole vão vender bolas de Berlim e gelados pela praia e a Alice e o Rúben podem ficar aqui a servir as Pizzas e os cachorros quentes aos clientes.

- Sim, eu vou mesmo andar a caminhar pela praia a dia todo! – ironizou Nicole insatisfeita -  E ainda por cima com esta chata… nem pensem nisso.
- E eu muito menos… Não vou aguentar ouvi-la a resmungar o tempo todo – concordei.
- Uau... Vocês as duas estão mesmo a concordar numa coisa ou será que estou a sonhar? - disse Alice, beliscando-se repetidamente no braço.
- Por enquanto fica assim, se vocês não se entenderem troca-se as posições. – informou o meu pai.
E, dito isto, todos se espalharam conforme as suas funções. Chegando à praia, eu e Nicole, caminhamos pela areia, já de manhã escaldante, e percorremos toda a praia vendendo todas as bolas de Berlim e os gelados que fossem possíveis enquanto que Alice e Rúben esperavam pelos clientes, esfomeados.
- Que seca. Sinceramente acho que preferia estar na praia a fazer o trabalho delas… - disse Alice para Rúben que era para ela, ainda um desconhecido.
- Sim, sempre seria mais divertido do que estar aqui, lá pelo menos podem refrescar-se no mar ou conversar um bocado com amigos que encontrem. - concordou Rúben,  num suspiro.
Uma vez que era a primeira vez que se falavam e, estando os dois sozinhos sem nada para fazer, conversam durante bastante tempo, tempo que para eles, passou a correr chegando então eu e Nicole, completamente vermelhas e transpiradas de tanto caminhar. Eu gritava por água e Nicole por um sofá enquanto Alice e Rúben se desmanchavam às gargalhadas com as nossas figuras chegando, no entanto, o meu pai e fazendo-se silêncio imediatamente.
- O quê que vocês fazem aqui? Já acabaram o vosso trabalho?
- A praia está repleta de gente esfomeada e vendemos tudo!
- Ah, e vieram para buscar mais comida certo? – perguntou Fernando já contando com a nossa resposta.
- Não! Viemos para descansar, para nos alimentarmos e principalmente para nos refrescarmos porque lá fora estão uns 30 graus!!! – disse Nicole de forma direta enquanto Alice e Rúben se riam novamente. – E eu acho que já está na altura de trocarmos de turno, porque nós estamos mesmo exaustas, e parece que há aqui gente com muito boa disposição para trabalhar. – continuou ela, fazendo com que o sorriso dos lábios de Alice e de Rúben se desfizesse rapidamente, juntamente com um “vamos lá então!” do meu pai.
Ao longe observei como Alice interagia com o meu primo. Tinham acabado de se conhecer e já se davam perfeitamente. Conhecendo muito bem ambos, sabia que eram um par perfeito. Claro que não me ia esquecer de lhes mandar bocas!
Trabalhamos desta forma até ao final do dia e mal se viu o sol a pôr-se, voltaram todos para as suas casas, exaustos, mas com uma boa recompensa dividida por todos. Nesse dia o negócio não podia ter corrido melhor. A Roulotte de pizzas, de cachorros e doces era uma novidade naquela praia que todos quiseram experimentar. O mesmo aconteceu nos próximos dias. No entanto, com o passar do tempo, a concorrência foi aumentando e os clientes desaparecendo. Passadas algumas semanas mal conseguíamos vender meia dúzia de cachorros.
- Mãe? Não achas que devíamos esquecer isto? – perguntei eu no final de um desses dias.
- Vocês não querem é fazer nada. Se queres receber a tua mesada no final do mês tens que fazer por isso! – respondeu a minha mãe.
- Não é isso mãe, é que da última vez…
- Isso foi um imprevisto, desta vez é diferente. Nós investimos muito nisto, e se correr mal é porque não fizemos as coisas bem. – insistiu. - Vai mas é ao balcão que está lá um rapaz à espera.
Constança é sem dúvida a mãe mais teimosa que já vi. Chamando-lhe nomes sem ela ouvir, obedeci à ordem vestindo o avental lentamente e amarrando o cabelo no chapéu de modo a fazer esperar o cliente e contrariar os meus pais que me diziam constantemente para me despachar enquanto limpavam a cozinha para começarem de seguida a fechar a Roulotte. Com pais tão teimosos, claro que eu também teria que o ser!
Finalmente perguntei ao rapaz o que desejava e este respondeu-me com uma grande delicadeza e sem estar minimamente aborrecido com a demora.
- Bom dia, queria uma fatia de pizza de queijo e fiambre com um gelado de morango a acompanhar, se fosse possível…
- Não é possível. – respondi friamente. Estava esgotada de trabalhar e sem paciência.
- Como? Mas…
- Lamento. Adeus.
Sabendo que havia a comida que tinha pedido, o rapaz virou as costas ligeiramente confuso e seguiu em direção à praia.
Obviamente que ouvi um sermão de duas horas dos meus pais depois deste episódio. Mas o que podia fazer? Saiu-me de forma espontânea. Estava completamente esgotada de trabalhar e sem paciência. A comida estava tão barata que o que recebíamos mal servia para a sopa.
No final do mês, Constança e Fernando contaram todo o dinheiro que tinham ganhado. Ficaram os dois entusiasmados e ansiosos por saberem o dinheiro que tinham lucrado. Enquanto isso, eu estava no meu quarto a ver televisão. Não me interessava saber do dinheiro, apenas me apetecia relaxar e pensar. Pensar na vida, pensar no rapaz com quem eu tinha sido desagradável nesse dia, pensar no Mickael que nunca mais teria visto, pensar na Alice e nas maluquices dela… Enfim, por vezes sabe bem pensar e recordar os acontecimentos mais engraçados da vida. Mas de repente os meus pensamentos foram cortados pela voz dos meus pais. Estavam a discutir. Saí do quarto já a imaginar o que se teria passado desta vez, e depois de os ver furiosos um com o outro, a insultarem-se de forma horrível, perguntei o que se passava. Acusando-se um ao outro do que teria acontecido, disseram-me, tal como já esperava, que o negócio não lucrara absolutamente nada e que tiveram uma despesa enorme.
- Devíamos ter fechado logo no dia em que os clientes começaram a escassar, eu avisei-vos! – disse eu tentando fazer com que eles se calassem e pensassem um bocado antes de se insultarem.
- A culpa disto também é tua, se tivesses feito as coisas bem-feitas não era nada disto!
- Eu dei sempre o meu melhor! Todos nos matamos a trabalhar durante todo o mês.
- Nota-se, tratas muito bem os clientes. – ironizou. Sabia que me atiraria aquilo à cara.
Ignorando-a, voltei para o meu quarto. Fora apenas uma vez que respondera daquela forma a um cliente. Há sempre uma vez em que explodimos.


A partir daquele dia, os dias começaram a ser todos iguais, todos os dias discutiam e eu começava a ficar farta daquela atitude. No entanto tentava não me meter, nem me preocupar com isso pois coisas mais importantes estavam por acontecer. Estava prestes a saber para que universidade iria entrar. Queria muito, por um lado, que conseguisse entrar na do Porto. Por outro, e embora fosse demasiado longe, adorava Coimbra. Naquele momento a distância nem era o que mais me preocupava. O que mais me apetecia fazer era precisamente sair dali e ir para uma casa onde pudesse ter um bocado de paz. 

Ansiosa por saber a noticia que tanto esperava, liguei o portátil e procurei ver onde tinha sido aceite. Mal soube corri radiante contar a notícia aos meus pais, mas como sempre, nenhum deles me ouviram, parecia que para eles até as discussões são mais importantes do que eu.



domingo, 4 de janeiro de 2015

Capítulo 2 – Cega Paixão





Os dias foram passando e eu, sem passar um único dia em que não pensasse nele, fui ganhando coragem e comecei a falar com ele de forma mais direta. Saber que ele sabia aquilo que eu sentia por ele intimidava-me, mas não foi motivo para me fazer fugir dele. Pelo contrário. Deu-me forças para avançar de uma vez por todas.
Todos os dias lhe perguntava se estava tudo bem, e ele por vezes rejeitava-me mas outras vezes respondia e, embora depois disso fosse gozar comigo com os amigos, perguntava também como é que eu estava. No entanto, um dia estava a chegar à escola, quando reparei no Mickael sentado, sozinho nas escadas, a chorar. Carolina, uma outra amiga minha, olhou para mim e fez um gesto de modo a encorajar-me a ir ter com ele.
Sentei-me ao lado dele, olhei para ele e ele continua exatamente do mesmo modo que estava, sem sequer pestanejar e sem conter uma única lágrima.
- Que se passa contigo? O que é que tu tens? Nunca te vi assim…
- Mete-te na tua vida. – disse friamente.
Sem saber como responder, decidi insistir um pouco mais. Era uma ótima oportunidade de nos tornarmos mais confidentes.
- Tem calma, tudo se resolve. – dei-lhe um lenço.
Embora com um ar enfurecido, olhou finalmente para mim. Pegou no lenço e atirou-o. Levantou-se e pôs-se à minha frente. O meu receio aumentou, até que o arrependimento o substituiu.
- Olha vou-te dizer isto da forma mais calma possível. – começou – Não quero nada contigo. Larga-me pelo menos um minuto, pode ser? DESAPARECE!
- Não era preciso falares assim. – levantei-me mas mantive-me à sua frente. Exigia um pedido de desculpas. Nenhum problema dele justificava a forma como me falava.
- Podes-me sair da frente? – perguntou irritado.
- Desculpa mas comigo ninguém fala assim.
- Não sais a bem sais a mal! – ameaçou.
Sem tempo para me deixar agir, empurrou-me violentamente, fazendo-me cair pelas escadas. Os amigos dele riam-se e gozavam-me. Avistei Alice que se aproximava para tentar perceber o que tinha acontecido enquanto Mickael se ria junto dos amigos.
A minha cabeça latejava como nunca. Ao cair batera com a cabeça bem de força na ponta das escadas e por isso via tudo à minha volta desfocado. Dos meus olhos escorriam lágrimas de vergonha e arrependimento.
Completamente abatida, peguei nas minhas coisas espalhadas pelo chão e saí dali. Fui direta para a casa de banho e ao espelho apercebi-me que a minha cabeça sangrava. Sentia-me cada vez mais tonta e mal conseguia aguentar as dores que aumentavam a cada segundo. Mesmo assim não eram dores que pudessem substituir o arrependimento de me ter apaixonado pela pessoa errada. Amava-o tanto, e amava-o de uma forma estupida, obsessiva e sem sentido. 
Não aguentaria olhar para a cara dele durante as aulas por isso decidi ir para casa. Só queria desaparecer! Ao sair da escola os amigos dele cercaram-me. Continuavam a gozar-me, parecia que o pesadelo não acabava.
Mesmo vendo-me a sangrar mandavam piadas absurdas e elogiavam o Mickael do que tinha feito. Que mal lhes fiz a eles? Que mal eu fiz ao Mickael?
Alice empurrou os amigos de Mickael para me alcançar. Olhou para a minha ferida aterrorizada e puxou-me pelo braço.
- Larga-me! – gritei – Não preciso que tenham pena de mim. Isso não me faz sentir melhor.
- Estás doida? Ainda não deves ter reparado bem no estado em que estás… - berrou Alice desorientada.
Levou-me para a sala de emergências da escola onde uma enfermeira tratou de mim. Repousei uns minutos com Alice ao meu lado. Sentia um ódio imenso por Mickael. A lembrança da boa disposição dele enquanto os amigos me gozavam não me saia da cabeça. Era como se ele sentisse prazer por me ter feito o que fez. O estado de tristeza e desespero em que o tinha encontrado anteriormente parecia agora uma farsa criada por ele para primeiro me atrair a ele e a seguir acabar comigo. Não conseguia perceber!
Quando me senti melhor ia direta para casa, quando mais uma vez Alice me impediu. Saí do pavilhão como um tiro e estava já no lado de fora do portão da escola quando Alice, que viera a correr para me conseguir apanhar, me agarrara pelo braço.
- Luciana, espera! – gritou.
- Deixa-me. – pedi – Eu sei… Tu tinhas toda a razão. Não precisas de me vir fazer sentir pior. – respondi sem parar de caminhar.
- Mas espera, acalma-te por favor! O que vais fazer? Vives longe da escola, não podes ir a pé por aí sozinha. Ainda por cima nesse estado… Podes já estar bem fisicamente mas interiormente estás demasiado nervosa. Queres-te arriscar a ser atropelada?
Parei e observei-a.
- Tens razão… Só quero que este pesadelo acabe. Quero esquecer isto. Desculpa não ter confiado em ti.
- Acho que já pagaste o suficiente por isso. – respondeu  Alice – Pelo menos serviu para acabar com a tua obceção, certo?
- Pois, pelos vistos estava mesmo a precisar disto.
- Eu já não sabia o que fazer contigo rapariga! – brincou.
- Agora sabes!
Abracei-a. Olhei por trás das suas costas e vi o relógio da escola.
- Vamos p’ras aulas? – perguntei a sorrir - Se a minha mãe continuar a receber queixas dos meus atrasos vou estar tramada!
- É assim mesmo. Ele não merece que faltes às aulas por tua causa.
Depois deste momento com Alice sentia-me ligeiramente melhor, mas ainda sentia um vazio enorme que me sufocava.
Durante o resto das aulas tentei evitar ao máximo os contactos visuais com ele. No entanto durante a última aula, distraí-me do que ouvia do professor e dei por mim de olhos fixos com os dele. Todo o meu corpo arrepiou-se. No entanto não os desviei. O que ele queria agora? Embora a sua boca sorrisse maleficamente, os seus olhos mostravam incómodo e arrependimento. Ignorei. Mal ouvi a campainha a tocar corri para casa como um foguetão. Como iria aguentar os próximos dias? Era um desafio que sabia que conseguia enfrentar. Só não sabia ainda como o fazer.
Ao chegar a casa senti-me feliz ao me encontrar com o Scarpy. Sempre que me sinto mais triste do que o normal ele raspa o seu pelo encaracolado nas minhas pernas e olha para mim como se me compreendesse. Isso faz-me sentir sempre melhor.
Entretanto aparece Nicole, a minha irmã, que, como sempre, começa a resmungar mal me vê em casa.
- Oh Luciana, mas tu tás bem? Tas aí a beijar o cão toda emocionada. Parece que o raio do cão é a tua única razão de viver. Vê se não demoras a vir-me ajudar nas limpezas. Não penses que vou ser eu a limpar o teu quarto.
- Deixa-me em paz, mal cheguei e já me estás a queimar o cérebro!
- O que foi agora? Nunca estás bem. Deve ter sido o cão que te comeu a paciência.
Nicole saiu da sala rindo-se para si mesmo, no momento em que ouvi uns ruídos sinistros vindos da cozinha. Aproximei-me e ouvi a voz dos meus pais apercebendo-me que estavam a falar sobre dinheiro.
- Que se passa? – perguntei depois de entrar e interromper a conversa entusiasmada deles.
- Nada filha, vai pôr o tacho da sopa ao lume que eu vou já ajudar-te. – disse a minha mãe. – Espera aí… O que tens na cabeça?
Quase já me tinha esquecido da ferida.
- Nada… Tropecei e caí.
Saí do quarto desconfiada. Porque desviaram a conversa? Nunca têm nada a esconder-me. Só esperava que não estivessem a planear mais uma das suas belíssimas invenções!





Os dias e as noites foram passando enquanto eu tentava esquecer quem eu nunca me deveria ter lembrado tantas vezes e muito menos, tentado ajudar. Ir para a escola, tornava-se cada vez mais uma tortura pois seria impossível esquece-lo tendo de o ver todos os dias. O meu dia-a-dia passou a ser um desafio em que eu tinha que passar o tempo todo a evitar olhar para ele. Nos intervalos, teria de conter as lágrimas por vê-lo "agarrado" a outras raparigas, raparigas muito mais velhas e muito mais maduras do que eu, que se estavam "nas tintas" para ele e que muitas das vezes o tratavam mal. A verdade é que eu continuava a sentir algo por ele. Talvez sentisse curiosidade, por apenas ter tido a oportunidade de conhecer o lado negativo dele, em vez do lado bom. No entanto serviu para aprender que tudo acontece por um motivo. Há coisas que já estão destinadas a acontecer e talvez isto me tivesse acontecido para eu aprender de uma vez por todas que “paixões à 1ª vista” não resultam, e a deixar de agradar quem realmente não merece um único olá.