domingo, 29 de março de 2015

Capítulo 5 – No abismo da escuridão

Nesse dia parecia estar tudo a correr lindamente. Matias era uma pessoa de muito bom humor. Conseguiu fazer-me vir o caminho todo a rir-me como uma desnorteada, enquanto ouvíamos música rock no volume máximo. Pelos vistos ele tinha os mesmos gostos do que eu. No entanto o dia tinha que estar a correr bem demais para durar tanto. Despedi-me de Matias abandonando o seu carro e este arrancou deixando-me á porta de casa. Peguei na minha chave que, ao penetrar a fechadura, não se movia. Percebendo que tinha levado comigo a chave errada, toquei á campainha e continuei sem nenhum sinal de resposta. Tinha quase a certeza que Nicole estava em casa, porquê que não me abria a porta?



Estava um frio de congelar! Desta vez Nicole estava certamente a passar das marcas. Espreitei pela janela e vi-a sentada no sofá com os headphones na cabeça e a ver televisão com um batido de morango ao seu lado direito. Que boa vida! Bati fortemente na janela e ela nem o olhar deslocou. Conseguia ouvir a música dos headphones cá fora. Como era possível? Claro que assim não conseguia ouvir-me. Sentei-me nas escadas á frente da porta. Não me restava muito mais a fazer. Embora fosse o que me apetecesse, não podia partir os vidros da janela nem arrombar a porta. Tentei telefonar para os meus pais, mas tinham ambos o telefone desligado.

A noite estava fria e medrosa, o luar estava enorme e as estrelas pareciam flutuar perto de mim. Observando um arbusto do outro lado da rua a mexer-se, a curiosidade tomou conta de mim. Levantei-me e segui na sua direção. Por entre as folhas encontrei um Mocho castanho-escuro e prateado a esconder-se por entre os ramos. Nunca tinha visto um de tão perto. Parecia ferido. De repente, senti algo estranho ao meu redor. No momento exato em que me virava para trás, senti uma terrível dor na cabeça que me fez cair no chão, inútil e indefesa. Aos poucos perdia os sentidos enquanto via uns homens vestidos de preto à minha volta. De rompante começaram todos a dar-me violentos pontapés. Faziam-no com toda a força que pareciam ter.




Senti-me como se já estivesse inconsciente. Tinha deixado de sentir as dores e tudo ficou escuro. Ouvia-os a sussurrar, mas não entendia o que diziam. Senti o meu corpo a ser arrastado e coberta por folhas. A dor tinha voltado, desta vez por todo o corpo e 10 vezes mais intensa. Percebendo que tinham fugido tentei levantar-me. Estava no meio de vários arbustos e apenas avistava uma pequena luz. Desorientada, rastejo em direção a essa mesma luz, que observava com esperança de me ver livre daquele pesadelo. Finalmente consegui levantar-me correndo por entre os arbustos de forma desajeitada. Mal me encontrei com a estrada atirei-me para ela, sem forças e totalmente dorida. 

Momentos depois ví os meus pais a correrem desesperadamente em direção a mim. Confusa e assutada com o que teria acabado de acontecer, fui levada para dentro de casa onde me repousaram no sofá. Com as lágrimas nos olhos, a minha mãe perguntou-me o que acontecera. Falei com a boca ainda a sangrar que não sabia. Não sabia mesmo. Fora tudo tão rápido que nem tivera tempo de me questionar. Alguém me teria agredido, não conseguia perceber. Porquê que alguém me quereria agredir daquela forma? Lembrei-me do Mickael e dos seus amigos que em pequena me humilharam e magoaram sem terem absolutamente motivo algum.

- Já estás melhor? – perguntou o meu pai alguns minutos depois.

- Sim… - disse ainda a tremer.

O meu corpo sentia-se melhor. Mas psicologicamente estava em completo choque!

- Nós estamos aqui, vai ficar tudo bem.

Nicole continuava ainda no mesmo sítio, ouvindo musica e dançando como se estivesse numa discoteca.

No dia seguinte, fui obrigada a ficar em casa, faltando à universidade. Já me sentia ligeiramente melhor, “aguentava bem uma tarde no Porto”, pensava.

- Não vais a lado nenhum! – Insistia constantemente a minha mãe impedindo-me que insistisse mais alguma vez.

No fundo achava que se falasse com Matias me iria sentir mais animada. Sentia essa necessidade e sabia, apesar de não o conhecer bem, que sería capaz de me fazer sentir melhor.

Achava estranho os meus pais não estarem a discutir. Já seria normal que se culpassem um ao outro pelo que me tinha acontecido. Peguei em duas torradas untadas com bastante manteiga e, antes que pudesse dar uma valente trinca fui chamada pelo meu pai à cozinha, para mais uma reunião de família. Estavam todos tão sérios que me assustavam. Sentei-me no sofá juntamente com Nicole que estava aborrecida por ter sido obrigada a desligar a televisão.

- Anda lá, despachai lá isso! – berrou ela.

A má educação dela tirava-me do sério. Achava impossível os meus pais assistirem aquilo e não fazerem absolutamente nada.

Depois de alguns longos minutos, o meu pai olhou fixamente para a minha mãe e esta fez-lhe um sinal, encorajando-o a começar o discurso.

- Bem filhas… Eu não sei qual será a melhor maneira de vos dizer isto, mas… só espero que reagem bem com os acontecimentos que irão surgir a partir de hoje. Sei que esta não é exatamente a melhor altura para dizermos isto, devido ao choque psicológico que a Luciana teve ontem, mas não conseguimos adiar mais. Como vocês sabem… eu e a vossa mãe não nos temos comportado da melhor forma e muitas das vezes são vocês quem acabam por sofrer as consequências. Com isto nós conversamos seriamente e tomamos uma decisão muito importante que implicará as vossas contribuições.

- Diz lá o que é, o suspense é nos filmes! – disse Nicole, paralisada com o que esperava ouvir.

- Nós vamo-nos divorciar. – Completou o meu pai deixando-me embasbacada e Nicole, pela primeira vez, realmente preocupada largando um “Não!” tenebroso e estremecedor.

- O quê?! Vocês estão tolos ou quê???! – não queria acreditar.

- Esta decisão é tomada por nós! Já não nos estimamos como antes, não vale a pena mais nada. Já não há amor.

- Vão deitar fora tudo o que construíram até agora? – interrogou Nicole, indignada.

- Já está decidido! – Completou a minha mãe. – Amanhã vou começar a organizar as coisas para nos mudar-mos para Lisboa, e vocês têm de decidir o mais rápido possível com quem é que preferem ficar.

- Lisboa? Isso é o mesmo que dizer-nos que um de vocês vai morrer! Não posso fazer isso. Ou fico com os dois ou com nenhum!

- Preferes ficar sozinha do que com um de nós?! – gritou a minha mãe.

- De certeza que sozinha sería mais feliz. Odeio-vos! Seria preferível nascer órfã! – gritei chorando e apercebendo-me acabara de exagerar.
Recebi um estalo do meu pai.

- Se é isso que achas então podes ter a certeza que não és mais nossa filha. Quero-te na rua e é agora! – berrou Constança.

- O quê?! – perguntei, estupefacta. Todos olharam para mim como se ela tivesse toda a razão.

- Vais fazer as tuas malas e eu não te quero ver mais à minha frente, preferes ser órfã então não ficas com nenhum de nós. Nunca te esqueças que te demos a possibilidade de escolheres um de nós.

- Como queiram. – disse chorando em direção ao meu quarto.

Peguei nas coisas que tinham sido compradas com o meu dinheiro e fui embora. Não queria nada deles.

Sabia que o que lhes dissera não fora correto. Explodi completamente. Pelo menos foi uma prova que eles estão-se mesmo nas tintas para mim. Nicole diz-lhes todos os dias coisas piores e nunca sequer um estalo lhe deram.
Primeiro a agressão, depois a noticia que se vão separar… Como queriam que reagisse? Era impossível conseguir decidir um dos dois em tão pouco tempo, principalmente no meu estado psicológico.

A minha vida estava um desastre. Só queria desaparecer. Então desapareci…