quarta-feira, 29 de julho de 2015

Capítulo 22 – Fuga Possível?

Quando chegamos ao destinatário a primeira coisa que fizemos foi observar a casa e tentar perceber onde era mais provável o colar estar. Metade dela estava toda queimada e quase a cair aos bocados e a outra metade estava completamente desfeita em destroços.

- Não sei como vamos encontrar o colar no meio desta confusão… Eu já nem sei de que lado está a cave! – Disse Nicole.

- Não podemos desistir. – Disse Mickael dirigindo-se para a zona dos destroços.

Procuramos durante horas e nada se encontrava para além de poeira, paredes quase a cair e objetos partidos.

- Venham aqui – Chamou Constança apontando para umas paredes caídas - Aqui era o quarto da Nicole e o sótão situava-se por cima. Como esta parte da casa caiu com o fogo, as coisas que estavam no sótão devem ter caído aqui…

- Bem visto. – Disse Nicole observando um monte de objetos desfeitos.

Comecei a rodear as paredes estendidas no chão.

Horas se passaram enquanto todos analisaram, escavaram e voltaram a analisar, até que Nicole concluiu que não iriam conseguir encontrar nada.

- É desnecessário… Nunca conseguiremos encontrar nada no meio disto tudo. – Disse pessimista.

- Não pares, podemos estar mais perto do que parece. – Respondeu Mickael.

- Está a escurecer… Não será melhor procurarmos amanhã de manhã? No escuro não vamos ver nada. – Insistiu Nicole.

- Eu não saio daqui sem encontrar o colar. – Proferiu Mickael sem parar de escavar.

- Mickael, não vale a pena, a Nicole tem razão… - Concordei. - Está escuro e o tempo está a alertar uma tempestade. É inútil continuarmos. Voltamos cá amanhã.

- E enquanto isso a Luciana está com uns psicopatas que podem decidir mata-la a qualquer momento… - Revoltou-se parando com o que estava a fazer. – Vocês não entendem o risco de vida que ela corre??? Isso não vos preocupa?

- Que parvoíce! É claro que nos preocupa! – Berrou Nicole.

- Por amor de Deus, acalmem-se. – Interveio Constança. – Não vale a pena discussões… Eles deram-nos 3 dias, ainda temos tempo. E se não encontrarmos o colar não podemos fazer nada … - Disse limpando as lágrimas. – A minha filha… A minha querida filha…

- Tem calma mãe, vai ficar tudo bem. Nós vamos conseguir encontrar o colar. – Acalmou Nicole, abraçando-a. – Amanhã voltamos bem cedo.

                            *                    *                    *                        *                     *                   
 Naquela cave cada segundo parecia um século. Estar tanto tempo no mesmo sítio e na mesma posição, sem comer nem poder falar, fazia-me sentir morta. Pensava na minha família e no desespero que deveriam estar na busca pelo colar. Pensava no Mickael preocupado em tirar-me daqui sem sequer imaginar a causa de eu ter vindo aqui parar. E pensava no Matias. O nosso beijo não me saia da cabeça e tinha a certeza que ter tanto tempo para pensar só fazia os meus sentimentos ficarem mais confusos. Para piorar, imaginar a possibilidade do Matias naquele momento morto por suicídio fazia-me estremecer e querer pedir ao Cruner para me matar, tal como ele quer.

Jayden virou-se de costas para mim e encostou-se ligeiramente na pequena janela, olhando para as estrelas. Durante a noite a cave ficava completamente escura por isso apenas conseguia ver a luz do luar que entrava pela janela.

Mantive-me quieta e calada, observando o pouco das costas do Jayden que conseguia ver, até que me lembrei do Matias. Tal como o Jayden, ele estava de costas voltadas para mim, entre a escuridão, quando o vira na floresta antes de ter perdido os sentidos.

Neste momento não tinha a fita-cola na boca, por isso não hesitei em fazer a pergunta que há muito me intrigava.

- O quê que vocês fizeram ao Matias? - A minha voz saiu fina demais.

- Como? – Perguntou virando-se para mim, sem perceber a minha pergunta.

- O quê que vocês fizeram ao Matias? Eu vi-o na floresta. Estava mesmo à minha frente.

- Não sei quem é esse Matias… - Respondeu virando-se novamente para a janela. – E não havia mais ninguém à tua beira, sem sermos nós.

- Por favor diz-me! Preciso de saber se ele está bem!

- Fala baixo! Obrigar-me-ás a pôr-te a fita-cola outra vez!

- Desculpa…

- Tem calma, está bem?! Ninguém fez mal a ninguém. E se tu continuares assim as coisas não te vão correr bem.

Jayden virou-se de costas mais uma vez. Fiquei a observar novamente e reparei que o seu cabelo por trás era igual ao do Matias.

De imediato percebi tudo.

- Eras tu o rapaz que eu vi de costas voltadas? – Perguntei admirada.

- É provável que sim.

Subiu as escadas em corda até à pequena abertura e estreitou à sua volta. Tornou a descer e aproximou-se de mim desamarrando as cordas que me prendiam.

- O que estás a fazer? – A sua atitude radiou-me de esperança.

Desamarrou todas as cordas sem dizer uma única palavra. E de seguida pediu-me para que me levantasse.

- Obrigada! – Disse sem acreditar no que acontecia.

Ele olhou para as cordas novamente.

- Não te vou libertar. Por muito que queira, não posso fazer isso.

Desiludida com a resposta, olhei para ele sem perceber.

- Então para que foi isto?

- Eles não estão aqui. Só estamos nós, por isso vou mostrar-te uma coisa.

- Não é arriscado?

- Confia em mim. Segue-me.

Fiz o que ele pediu. Subimos as escadas em corda, trespassamos a pequena abertura que dividia a cave do 1º piso daquela casa estranha e percorremos um longo corredor. Passamos por várias divisões com o chão coberto de objetos que pareciam, à primeira vista, bastante valiosos, até que encontramos um armário antigo de onde Jayden retirou um livro grande e velho.

- Sabes o que é isto?

- Um livro?...

- É uma agenda onde o Cruner costuma escrever os nomes de todos os reféns que já aprisionou e torturou aqui dentro até as famílias lhe darem o que ele quer. Muitos desses reféns acabaram por morrer aqui dentro, mesmo depois das famílias lhe darem os objetos preciosos. Acho que até agora tens tido imensa sorte. Se reparares ainda não tens um único arranhão e já se passou um dia. Já observei coisas terríveis aqui dentro e acredita que em comparação aos outros ele adora-te! O único objeto que lhe falta desta zona da cidade é o teu colar, que é o mais valioso de todos e, até agora, o mais difícil de encontrar.

- Não estou a perceber. Mas para quê que ele quer esse colar se tem tantos quartos cheios de objetos de ouro?

- Nem todos esses objetos são de ouro, alguns deles são apenas imitações. Mas não é bem a fortuna que está aqui em causa. Nem sempre é isso que ele procura: ele é obcecado em coleções e enquanto não estiver satisfeito com a sua coleção de colares valiosos, não vai descansar e muito menos deixar descansar os outros que o rodeiam...

- Bom, se para ele parar, bastar o colar, então que fique com ele! Não o quero para nada. Só me sinto mal por causa da minha mãe, este colar significa muito para ela.

- Não lhe podes oferecer o colar. Esquece isso! Mal ele veja o colar nas suas mãos matar-te-á a ti e à tua família. De seguida irá viajar para outro local, partindo à procura de novos materiais preciosos.

Olhei para ele durante uns instantes, estupefata. A situação em que eu estava era muito mais séria do que eu pensava.

- Mas ele disse à minha família que me libertaria em troca do colar! Como eles vão saber que estão à procura das suas próprias mortes?

- Ele acha arriscado deixar-vos vivos, para além de se divertir sadicamente com torturas. Lamento imenso.

- Porquê que não me deixas escapar?

- Não posso... Ele tem a minha irmã mais nova em completo controlo. Basta eu desobedecer a uma ordem dele para ele a fazer desaparecer para sempre. Ela é a única família que me resta.

- O que aconteceu ao resto da tua família?

- Morreram todos. - Disse largando uma lágrima de raiva. - Ele matou-os com as próprias mãos da forma mais horrível que possas imaginar para conseguir uma das preciosidades que queria.

- Que horror... - Arrepiei-me imaginando o mesmo a acontecer à minha família.
Esta dor que senti fez-me imaginar o que ele sentiria todos os dias, enquanto era obrigado a viver com o autor da morte de toda a sua família. Não hesitei em abraça-lo e ele olhou para mim meigamente, oferecendo-me um efémero sorriso como retribuição.

- Nós vamos dar cabo dele. Podes contar comigo para o que for preciso. - Estava fora de mim. A minha raiva por aquele homem subia assustadoramente e sentia-me capaz de o matar.

- Não é assim tão fácil. Se assim fosse, eu próprio já o teria feito desaparecer.

- Porque dizes isso? - Perguntei receosa.

- Ele é inteligente. Para qualquer lado que vá está rodeado de homens. E todos eles são treinados e têm os mesmos objetivos do que ele. Achas que eu já não o tentei matar antes? Quando soube do que ele tinha feito perdi a cabeça e vim ter com ele. Achava que sozinho conseguia acabar com um grupo de psicopatas que matam pessoas todos os dias como se fossem moscas... - O seu rosto contorceu-se, pensando na estupidez do seu ato.

Ouvia-o espantada. Ainda não me sentia capaz de encarar a realidade em que estava inclusa. As hipóteses de sobreviver neste local eram muito bastas, e eu ainda não interiorizara isso.

- O que aconteceu? – Questionei calmamente, encorajando-o a continuar.

- Antes de conseguir tocar-lhe os seus homens prenderam-me os braços e torturaram-me. Ainda tenho cicatrizes no corpo das coisas que me fizeram. Ele ainda se riu na minha cara e foi então que me falou que tinha a minha irmã aprisionada. Até hoje ainda não descobri onde a meteu. Nem sequer sei se isso é verdade ou se já a matou. Tenho esperança que ela ainda esteja viva, e é por ela que continuo a lutar sobre toda esta raiva. É a minha única esperança para continuar a querer viver, pois não tenho mais ninguém.

- Tens-me a mim agora. - Apertei-lhe a mão e acariciei-a.

A nossa relação tornara-se estranha. Mal nos tínhamos acabado de conhecer e já rondava uma enorme nuvem de carinho sobre ambos.

- Obrigada. Desde que te vi percebi que eras uma rapariga cheia de coragem, e tive esperança que me pudesses ajudar. Foi por isso que te trouxe até aqui. Já ajudei aquele homem por obrigação no encontro de vários objetos, mas desta vez tenho esperança de que as coisas corram melhor. Quero acabar com este pesadelo de uma vez por todas.

- O que pensas fazer?

- Não sei bem como vou fazer, mas penso que sei de uma possível forma de o enganar... E para isso preciso de toda a tua contribuição.

- Claro! Faço o que for preciso. Quero o mesmo que tu.

- O problema é que é muito arriscado...

- Que se dane. Experimentamos. Qualquer coisa é melhor do que se ficarmos parados. Não posso deixar que a minha mãe faça o sacrifício de entregar o colar que simboliza a história de toda a nossa família para no final, acabarmos todos mortos!

- E eu não posso ficar aqui a sacrificar-me para salvar a minha irmã para no final, ela sofrer ainda mais do que eu... Se é que já não sofreu… ou morrermos os dois.

- Não digas isso, de certeza que ela todos os dias pergunta para si mesma quando é que tu vais salva-la.

- Tento sempre acreditar nisso.

- E então qual é o teu plano?

- A minha ideia era...

Um enorme estrondo nos interrompeu. Jayden olhou para mim em pânico e começou imediatamente a correr, puxando-me pelo braço.

- Rápido, corre! Eles chegaram. – Vociferou.


quinta-feira, 23 de julho de 2015

Capítulo 21 – Desespero

Um novo dia nasceu. Eu e a Nicole acordamos cedíssimo, devido ao Scarpy não parar de ladrar.

Quando entrei na cozinha, fiquei completamente apalermada: a porta da cozinha estava aberta e o Scarpy ladrava do lado de fora, como se tivesse visto um fantasma. Aproximei-me do Scarpy e peguei nele para o acalmar.

- Pronto, pronto – Olhei para a porta aberta. – O que se passou Scarpy? Entrou alguém aqui?

Pousei o cão no chão e este desatou a correr em direção ao quarto da Luciana. Fui atras dele e mal entrei, vi que a Luciana não estava lá e que não tinha dormido em casa, pois a cama estava feita.

- Oh meu Deus…

Em choque com o que estava a acontecer, passou-me pela cabeça o pior. Só conseguia imaginar que os homens tinham forçado a fechadura para obrigarem a Luciana a ir com eles. Apressei-me até ao quarto da Nicole e acordei-a atrapalhada.

- Nicole acorda! Rápido! Passa-se alguma coisa, pode ser uma desgraça! Anda lá, levanta-te.

- O que foi Alice, deixa-me dormir… - Disse Nicole virando-se para o outro lado da cama.

- Nicole levanta-te! A Luciana não está em casa e a porta da cozinha estava aberta! Nicole, e se eles entraram aqui e a levaram? Podem ter-lhe feito algum mal…

Nicole levantou-se ensonada e olhou para o relógio na sua mesinha de cabeceira.

- Alice o que é isto? São 6h da manhã!

- Ouviste alguma coisa do que eu te disse?! – Perguntei irritada.

- Se calhar ela foi dormir a casa do Mickael e esqueceu-se de fechar a porta…

- Vou ligar ao Mickael.

Peguei no telemóvel e marquei o número do Mickael. Rapidamente se ouviu o som enervante do telemóvel a chamar. «Anda lá… atende Mickael», sussurrei impacientemente.

- Estou?! Alice? – Disse Mickael acabado de ser acordado.

- Sim sou eu. A Luciana está aí contigo?

- Não… Ela ficou aí a dormir, mas porquê? Está tudo bem?

- Não sei… Eu estou preocupada. Ela não está cá em casa, não dormiu cá e a porta para a estrada estava aberta.

- O quê? Mas está arrombada? Eu vou já aí ter. – Desligou.

- A janela do quarto dela também estava aberta. – Disse Nicole, agora também preocupada.

- Não percebo o que se passou, mas não deve ter sido coisa boa…
Poucos minutos depois, Mickael entrou em casa e logo observou atentamente a fechadura da porta.

- Não foi forçada. Por isso não foram eles que entraram aqui.

- Então porque que estava aberta? E onde é que ela se meteu? – Perguntei aflita.

- Já lhe telefonei e não atende.

- Eu vi o telemóvel dela no quarto. – Avisou Nicole.

- Vamos procura-la. – Decidiu Mickael.

Todos saímos de casa e o primeiro local que nos lembramos para a procurar foi em casa da Constança.

- Mãe, é uma urgência. Por favor, diz-me que a minha irmã está aqui… – Disse Nicole para Constança mal entramos dentro da casa.

Mickael desatou a caminhar por toda a casa com esperanças de a encontrar.

- Não filha, ela não está aqui. Mas o que se passa? Está tudo bem? – Perguntou Constança preocupada.

- Não creio que esteja tudo bem… - Disse eu quando as lágrimas começavam a querer escorrer-me pelos olhos - Se ela não está aqui, não sei onde ela possa estar.

- Estamos preocupados porque ela não dormiu em casa e quando acordamos a porta da cozinha estava aberta. – Disse Mickael apavorado - Ela não ia sair durante a noite sem nos avisar, principalmente com aqueles bandidos por aí à solta! Ela sabe que seria muito arriscado se fizesse uma coisa dessas.

- Oh meu Deus! – Gemeu Constança – Então vocês acham que… que os homens que vos ameaçaram na noite passada entraram dentro de casa e a levaram?

- Não tenho muita certeza disso – disse Nicole para Alice. – A fechadura da porta não estava forçada. Ela pode ter saído para uma emergência e ter-se esquecido que eles estavam atentos aos nossos passos…

- Mas porquê que tinham que fazer isso a ela? Porquê que eles a atacam sempre a ela?? – Perguntou Constança de lágrimas aos olhos.

- Porque ela é importante para nós… - disse Mickael – Eles querem o colar em troca dela, tenho a certeza!

- Só pode ser isso. – Lamentou-se Constança.

- Esperem um bocado… - Disse eu pensativa. – Se eles quisessem fazer chantagem teriam que nos informar disso e marcar um local para nos encontrarmos com eles para podermos entregar o colar e salvar a Luciana.

- Sim, tens razão! – Disse Mickael num ápice – Talvez tenham informado por cartas… Constança, já verificou o correio hoje?

- Não. - Levantou-se rapidamente em direção a uma pequena abertura no canto inferior da porta, na qual conseguiu retirar uma sinistra carta bege-escuro sem qualquer assinatura. – Presumo que seja isto!
Abriu a carta a tremer e por dentro tinha uma folha branca escrita à mão. Leu em voz alta para todos:



“De certeza que já deram por falta dela e de certeza que já sabem qual a função desta carta. Dou-vos 3 dias para me darem o colar. Se depois deste prazo não tiver o colar nas minhas mãos, a Luciana morre. E a sua morte não será com um tiro, mas sim lenta e o mais dolorosamente que nós conseguirmos. Poderão entregar-me o colar na floresta, à meia-noite do 3º dia. Irei encontrar apenas um de vocês SOZINHO. E nem pensem em envolver a polícia neste assunto. Caso tentem algum plano, a Luciana morre.
Neste momento estão homens meus a observar-vos a ler esta carta, estão aí para se certificarem de que vocês a vão queimar depois de a lerem.”

Cruner


Todos estavam pálidos e estupefactos. Ninguém queria acreditar no que tinham acabado de ouvir. Constança desatou a chorar e Mickael continha as suas mãos na cabeça completamente em descontrolo enquanto eu tentava controlar as emoções e pensar racionalmente numa solução. Nicole levantou-se e espreitou pela janela.

- Eles estão escondidos e têm andado a seguir os nossos passos… Devíamos ter fugido logo todos para Lisboa.

- O que fazemos agora? Não podemos deixar que lhe façam mal… - Questionei.

- Vamos! Não está nada perdido, temos de procurar o colar! – Disse Constança levantando-se da cadeira.

- Mas mãe… Tu prometeste à avó que…

- A tua irmã é muito mais importante do que essa promessa.

- Não se preocupe… de certeza que a sua mãe iria compreender. – Tentei confortar.

Quando saímos da casa de Constança, fomos diretos ao local onde a antiga casa ardera para procurar o colar valioso. Não tínhamos qualquer ideia de qual sería a situação da Luciana neste momento, e não podíamos agora preocupar-nos com o estado dela. Era um caso de vida ou de morte. Tínhamos que encontrar aquele colar o mais rápido possível e resolver este drama de uma vez por todas.


            *                    *                    *                   *                 *                 *


No sótão velho e sujo, lá estava eu com as mãos e os pés amarrados e a boca com fita-cola. O Jayden estava ainda de pé a olhar para mim. Algo nele era diferente dos outros homens. Os seus olhos castanhos e meigos, assim como o seu ar sério dizia-me que estava ali contrariado, sob as ordens do Cruner.

«Talvez ele me pudesse ajudar», pensei por momentos.

Fiz então uns ruídos com a boca para que ele me tirasse a fita da boca e me deixasse falar. Ele apenas virou a cara para o lado, ignorando-me.
Tentei novamente e ele focou-me respeitosamente.

- Não posso. – Respondeu.

Olhei para ele desiludida. O Cruner tinha-me posto tanta fita-cola que agora mal conseguia respirar.

Minutos se passaram até que Jayden sentiu-me a sufocar e desta vez não hesitou em tirar-me a fita-cola.

- Obrigado. – Disse suspirando de alívio.

- Não sejas tão rápida a agradecer. Isto foi só para não morreres asfixiada porque vou voltar a pôr-te a fita-cola.

- Por favor, não!

- Lamento – disse ele começando a cortar o grosso pedaço de fita-cola com uma tesoura. – Desta vez conseguirás respirar bem.

- Não! Prometo que não grito.

- E como posso ter a certeza disso? – Tapou-me a boca com a fita-cola.




sexta-feira, 17 de julho de 2015

Capítulo 20 – O rapto

Atravessei o corredor apressadamente e procurei a chave da porta principal da casa.

- Onde raio é que a Alice pôs a chave?! – Questionei-me aflita observando todos os cantos da sala e da cozinha.

Aproximei-me do sofá, e ali estava ela, perto do comando da televisão. Peguei rapidamente nela e desviei-me em direção à porta. Enfiei a chave dentro da fechadura como se estivesse a rebentar um balão com um alfinete e a porta imediatamente abriu-se.

Corri pela rua sem qualquer preocupação em fechar a porta e chamei por Matias.

Por toda a rua corri e vozeei o nome de Matias e nenhum sinal dele estava à vista. Tinha de o encontrar rapidamente para o acalmar. Não me saia da cabeça a forma como ele falara nem as imagens dele a fazer algo imprudente a si próprio. Talvez estivesse a ser de algum modo convencida por me achar tão importante na vida dele ao ponto de lhe fazer cometer suicídio. Talvez no fundo sentisse o mesmo por ele. Mas neste momento só tinha a certeza de que nunca me iria perdoar se o que imaginava acontecesse.

Parei de correr de rompante e olhei à minha volta. Entre os pensamentos perdi a noção do caminho que estava a seguir. Observei todo o espaço e reconheci uma lembrança: eu de mãos dadas com o Matias. Sem saber como, sabia que estava já bastante longe de casa e apenas a uns metros de distância da casa dele. No entanto não era capaz de me lembrar qual das casas era. Não queria desistir de o procurar mas era perigoso afastar-me mais pois já me sentia demasiado perdida. Virei-me para trás. Olhei para as 3 estradas situadas à minha frente e não sabia por qual delas me tinha dirigido até onde estava naquele instante. Sabendo que cada uma delas seguia para locais completamente diferentes, arrisquei pela do lado direito.

Caminhei em silêncio durante uns minutos e depois percebi, com um alívio, que seguia o caminho certo, pois via-se ao longe as árvores que davam inicio à floresta onde me diverti com a Nicole, a Alice, o Mickael e o Rúben na cascata e onde fizemos aquele maravilhoso piquenique.

Permaneci a chamar pelo Matias enquanto caminhava e, de repente, ouvi um estalido no meio dos ramos das árvores do outro lado da rua que me fizera virar-me num sobressalto.

- Matias?

Perguntei com um sorriso e o meu coração encheu-se de esperança que fosse ele mas apenas se via uma sombra no meio das árvores.

 – Matias és tu?

Avancei vagarosamente até à outra margem da estrada e, por entre as arvores, segui a sombra estendida no chão que parecia querer fugir de mim. Ao longe avistei um vulto de pé, virado de costas para mim. Com a escuridão, não percebia quem era, mas notava-se que era um rapaz que se mexia silenciosamente para trás da árvore, tentando esconder-se.

Não haviam dúvidas, de certeza que era o Matias!

Perdi a paciência e comecei a caminhar aceleradamente em direção a ele.

- Matias, não me ignores! Fartei-me de te procurar. Precisamos de fa…
Ao mesmo tempo que falava uma outra pessoa agarrou-me por trás e tapou-me a boca com um pano húmido de um cheiro muito forte. Desatei a gritar mas ao mesmo tempo que o fiz, perdi todos os sentidos deixando o vulto que estava à minha frente, ainda de costas viradas como uma estátua, a desvanecer-se.
Acordei de rompante como de um sono de um século. Abri os olhos e percebi que estava com as mãos e os pés atados.

Entrei imediatamente em pânico.

Apesar de estar escuro, percebi que estava numa cave velha onde ninguém parecia entrar há imenso tempo. O chão estava coberto por pó e lixo, o teto preenchia-se de enormes teias de aranha e mal conseguia respirar por causa do frio que sentia.

Não fazia ideia de onde estava, nem como fora ali parar. Naquele momento só queria sair dali.

Desatei a gritar por ajuda.

Os gritos saiam roucos por causa do frio, mas não desisti. Gritei com todas as minhas forças até que ouvi um barulho forte. Calei-me de repente e olhei para todos os lados do quarto assustada. Não tinha portas. Apenas se via uma pequena janela redonda.

Ouvi o barulho de uns cadeados, como se estivessem a abrir uma porta, e vi um pequeno buraco no teto, em forma de um quadrado, a abrir-se. Um rapaz espreitou para baixo e logo de seguida, lançou umas escadas em corda.
Tinha medo do que me podia esperar.

O mesmo rapaz que atirou as escadas desceu-as, e atras dele desceu um homem alto e robusto. Reconheci-os mal se viraram para mim: o rapaz mais gordo era o bandido que deu um murro no estomago do Mickael, enquanto os outros dois lhe agarravam os braços e a quem lhe chamaram, o Karlles. E o outro homem alto, robusto e corpulento era sem duvida, o mais violento que me agarrou pelos cabelos e me fez uma grande e feia nodoa negra no braço.
Ambos olharam para mim com desprezo.

- Então?! - Disse o mais velho. - Agora não gritas?

 Aproximaram-se de mim e eu recuei, rastejando até ao canto. Não tive coragem de abrir a boca.

- Não tenhas medo, querida. Não te vamos fazer mal... - Disse o mesmo homem - …por enquanto. – Completou o Karlles. – Já te revistamos e por azar teu não trouxeste o colarzinho contigo. O que é muita pena pois podias neste momento já estar em tua casa sem quais queres riscos de vida. Bem, a culpa disto é tua porque nós avisámos-te!

- Tirem-me daqui! – Implorei.

- Só quando os teus paizinhos nos derem o que queremos. Como não cumpriste o que dissemos optamos por um plano mais… radical.

- Nós não temos nada, eu já vos disse isso!

O homem aproximou-se e agarrou-me agressivamente o queixo.

- Não tentes enganar-me. Não vais ganhar nada com isso, muito pelo contrário.
Um outro rapaz desceu as escadas. Era novo e muito menos corpulento do que os outros dois.

- Há muito tempo que andávamos a perseguir-vos. Desconfiávamos que era a tua família que o tinha. E pelos vistos não estávamos enganados. – Largou-me o queixo e virou-se de costas.

Olhei para eles apavorada e depois falei:

- Como é que vocês descobriram… Se nem eu sabia disso? Só ontem soube…

- Ora… Foi muito fácil. – Disse o homem cinicamente - Quando a vossa casa ardeu, o fumo chamou-nos à atenção e nós aproximamo-nos para ver o que se passava. E aconteceu que estávamos a observar o incêndio dentro da casa, quando vimos a tua mãe a correr e a gritar para o teu pai: “Não… eu tenho que voltar lá dentro. Está lá o colar!” – Riu-se – percebemos logo a que colar se referia. A tua mãe entrou novamente lá dentro enquanto tu gritavas pela janela para que alguém te ajudasse. Que boa mãe que tens, não? Ela foi buscar o colar, por isso de certeza que ainda o tem. E agora, minha querida, não vais sair daqui enquanto o colar não estiver nas minhas mãos.

- Mas ela não o tem! Ela disse-me. O colar ficou muito bem escondido por baixo dos estroços. Nem sabemos se o conseguimos voltar a encontrar…

- E como sabes se ela não te mentiu? A tua mãe escondeu-o por isso a tua mãe consegue encontra-lo. E eu vi-a com os meus próprios olhos a avançar pelas chamas em busca da fortuna.

- Isso não é verdade. Ela nunca quis saber da fortuna!

- Cala-te. Isso não me interessa para nada. Eu deixei um postal no correio da casa onde tu tens ficado a dormir ultimamente, a avisar. Agora vamos ver se a tua família te vai trocar por um colar ou não.

- Ninguém virá trazer colar nenhum, porque o colar está no meio das cinzas. Ele está destruído!

Apertou-me o pescoço contra a parede.

- Já te avisei para não tentares enganar-me! Se o colar não vier parar às minhas mãos faço-te a ti e a toda a tua família desaparecer.
- Não! A minha família não!

- Cala-te! – Deu-me um estalo. – Se não te controlares mato-te já aqui e rapto a tua irmã.

O silêncio instalou-se. Tentei controlar a vontade de chorar.

- Bem – Disse o homem virado para mim – Acho que nos devemos apresentar melhor. – A forma como falava era constantemente provocante – Chamas-te Luciana não é?

Fiz que sim com a cabeça.

- Que lindo nome. - Disse ironicamente - Eu sou o Cruner, este é o Karlles… – Disse apontando para o homem robusto e moreno que se encontrava ao seu lado. - E este desgraçado, é o Jayden. – Apontou para o rapaz mais novo que parecia ter a minha idade. - É um amigo nosso que nos tem ajudado bastante. - Piscou-lhe o olho largando uma pequena gargalhada e este fez um ar de quem estava seriamente irritado.

Aproximou-se de mim com um rolo de fita-cola e tapou-me a boca. Resmunguei para que não fizesse isso, mas nada adiantou.

- Isto é para não voltares a gritar como estavas até agora.

Com isto subiu as escadas com o Karlles atrás dele. O Jayden ficou dentro da cave, supostamente para me vigiar mas olhava para mim tristemente.


domingo, 12 de julho de 2015

Capítulo 19 – “Estou a fazer tudo mal!”



Mickael levou-nos até casa e perguntou-me se precisava que ele ficasse comigo no quarto para que não sentisse medo, e eu respondi que não. Em casa sentia-me segura, por isso não precisava que ele se incomodasse por minha causa. Então despedimo-nos e ele foi para sua casa.

No fundo começava a sentir-me farta de ter as pessoas em meu redor constantemente preocupadas comigo. Sei que sou medrosa e sei que tenho momentos de muita confusão com as minhas memórias, mas por vezes preciso de me sentir capaz de lidar com os meus problemas sozinha.

Todos se deitaram e eu dormi durante 5 horas sem sonhos nem pesadelos o que foi um recorde! Soube mesmo bem. No entanto depois de acordar não consegui adormecer mais. Decidi levantar-me e ver um pouco de televisão na sala. Embora me sentisse confortável, não gostava nadinha daquele silêncio da noite. Percebi que até o Scarpy dormia como uma pedra e eu ali sentada, a ver televisão como se fossem 4 da tarde.

No entanto ouvi um ruído vindo do meu quarto e fiquei preocupada. Estavam todos a dormir, quem sería? Os meus pensamentos desviaram-se logo para os homens que nos ameaçaram, ficando assustada. Estaquei durante alguns segundos sem saber o que fazer até ouvir novamente um ruído estranho que me garantisse que estava alguém lá dentro. Depois de ouvir um ruído ainda mais forte pus-me de pé de rompante e avancei vagarosamente para ver quem era. Peguei no que estava mais perto para me poder proteger se necessário e, quando acendi a luz do meu quarto vi que Matias estava na minha varanda, a trupar lentamente na janela e a pedir que o deixasse entrar. O meu nervosismo abrandou, e dei um leve suspiro de alívio.

Abri a janela e perguntei-lhe porque raio é que veio trepar à varanda do meu quarto às 4h30 da madrugada. Sempre achei o Matias um ótimo rapaz mas por vezes parecia-me uma pessoa bastante estranha!

- Não parava de pensar em ti, se não te viesse ver não ia conseguir dormir. – Explicou Matias.

- Pronto já me viste, adeus. – Disse-lhe eu, abrindo a janela para ele sair.

- Não sejas assim Luciana…

Tentei ignorar e continuei com a janela aberta à espera que ele saísse.

- Porquê que estás a agir assim comigo? Fiz-te algum mal? – Perguntou revoltado com a minha atitude.

- Sai daqui Matias!

- Não saio enquanto não me explicares o que se está a passar! – Disse sentando-se na cama de braços cruzados.

Olhei para ele impaciente. Depois saí do quarto para me certificar de que não tínhamos acordado ninguém e desliguei a televisão. Voltei para o quarto com esperança que ele tivesse desistido mas ele ainda lá estava, exatamente como antes de eu sair.

- Vais demorar a sair? Eu quero fechar a janela, está frio!

- Não há problema. – Levantou-se, fechou a janela e voltou a sentar-se no mesmo sítio e com a mesma expressão.

- Pára com isso! Pareces uma criança que vai fazer birra até ter o que quer!
- Eu acho que tenho todo o direito de saber porquê que me estas a evitar e a falar dessa maneira… Desde que nos conhecemos nunca foste tão fria comigo como estás a ser agora. Tu não és assim! Podemos não ter nenhuma relação mas a Luciana que conheço é simpática e divertida até com as pessoas que a odeiam. – Fez uma pausa - Foi o Mickael que te obrigou a afastares-te não foi?
- Calma aí… O Mickael nunca me obrigou a fazer nada! Ele não conseguia confiar em mim se eu continuasse a falar contigo todos os dias por isso tive que me afastar.

- E isso não é obrigar?

- Não! Eu fiz isto porque não quero que ele se zangue comigo por tua causa. São coisas muito diferentes!

- Mas não precisamos de nos odiar. E neste momento é isso que parece. Não aguento estar assim contigo.

- Eu não te odeio, simplesmente não quero problemas.

- Juro que não percebo porque fazes isto. Eu sei que gostas que esteja perto de ti.

- Menos, muito menos…

- Eu sinto isso pela forma como olhas para mim e não vale a pena negares.

- És tão convencido. Poupa-me! – Revirei os olhos.
Levantou-se e caminhou até perto de mim.

- Disse alguma mentira? – Olhava-me profundamente nos olhos. – Estás a faze-lo agora mesmo. E tenho a certeza pois é exatamente a mesma forma que me olhavas quando eramos completamente apaixonados. Essa chama ainda não apagou!

As nossas faces aproximaram-se. Olhávamos um para o outro como se estivéssemos hipnotizados. Voltei a mim e afastei-me.

- Isso não é verdade. Tu fazes-me perder a noção das coisas!

- Será? Se tu não te consegues controlar quando estás a sós comigo isso quer dizer alguma coisa…

Fez-se silêncio e Matias observou-me com um ar de admirado.
- Parece que afinal tenho razão!

Tocou nos meus cabelos. Os nossos rostos voltaram a aproximar-se até quase se tocarem e os olhares voltaram a ficar hipnotizados um no outro. Comecei-me a sentir como no dia em que o Mickael me fez a surpresa da cabana, no momento em que estava deitada com o Matias na praia, a olhar para as estrelas. Sentia-me novamente enfeitiçada. Lentamente, foi-se aproximando mais de mim, e foi então que os seus lábios se encostaram nos meus. Tão levemente que eu quase não senti. Acariciou-me com uma das mãos enquanto a outra continuava a remexer lentamente nos cabelos. À medida que o beijo se desenvolvia para uma chama cada vez mais forte senti várias lembranças a percorrerem-me a mente. O ambiente escaldava e persenti os nossos corpos a pedirem por mais. Entre as lembranças ao mesmo tempo confusas e belas lembrei-me da imagem do Mickael a alvejar furiosamente o Matias. Estava outra vez a deixar-me levar pelos encantos dele, e outra vez, a cometer um grave erro.

Voltei a mim e empurrei-o. Ele continuou a olhar para mim sem se mexer um centímetro.

- O que estou eu a fazer? Sai daqui! – Virei-me de costas para ele e elevei as mãos à cabeça sem saber como corrigir a situação.

- Desculpa… Não devia ter feito isto. – Disse Matias.

- A culpa não é tua! Eu não devia permitir isto… Estou a fazer tudo mal. Não te devia dar falsas esperanças, e não devia fazer isto ao Mickael, ele não merece! Estou tão arrependida…

- Os teus atos admitiram que gostas de mim…

- E gosto! Mas não desta forma! Tu enfeitiças-me! Confundes tudo o que tenho na minha cabeça. Desaparece e deixa-nos ser felizes! – Estava a gritar com ele e esse era outro erro que acabava de cometer. Imediatamente arrependi-me mas era já tarde de mais.

- Ok. Era uma resposta concreta que queria ouvir. Não volto mais a meter-me na tua vida. – Dirigiu-se para a saída.

- Não, espera! - Agarrei-o. – Desculpa ter feito isto. Podemos ser amigos.
Ele virou-se para mim e olhou-me irritado.

- Não Luciana, tu tens razão. Já tive mais do que provas suficientes de que já não me amas como antes. Tenho a certeza que não sei ser apenas teu amigo. O que mais quero é apenas saber que estás feliz. Mas assistir a essa felicidade com outro não consigo. Lamento não ser capaz disso. Eras a minha vida mas agora acabou e agora poderás ser feliz à vontade com quem tu queres.
Virou-me costas, abriu a janela e desceu a varanda. Sentei-me na extremidade da cama. Sentia uma salada inexplicavelmente desconfortável de sentimentos.
De repente o pior veio-me à cabeça. A forma como o Matias falara era assustadora e eu não podia permitir que ele fizesse algo errado a si próprio por causa do meu erro.

Corri até à varanda e chamei por ele, mas fui incapaz de o parar. Apenas o consegui avistar ao longe, apressado e decidido,  sem olhar uma única vez para trás.